domingo, 13 de abril de 2008

Ela decidiu ir. Dar uma volta ia ser bom. Queria ficar sozinha e a casa estava cheia. Uma caminhada na praia pra desanuviar. Naquele momento, tudo que ela precisava era não ter compromisso com a vida.
A companhia era o fone de ouvido. Música ia ajudá-la a não pensar em nada, ou pelo menos ia evitar que ela prendesse, na cabeça, pensamentos teimosos.
Logo veio “Lembra se puder, se não der esqueça, de algum jeito vai passar”. Aumentou, mesmo com a probabilidade de ficar surda mais cedo. Não importava. Música alta era seu vício mais constante. Antes que pudesse refletir sobre o significado que aquela música lhe remetia, outra: “É preciso saber viver”.
Ela achou um pouco de graça. É incrível a imaginação das pessoas, principalmente nessas horas em que qualquer coisa que acontece parece estar sincronicamente ligado ao momento presente.
De repente, uma vontade enorme de ter uma filha pra chamar de Marina. Pra cantar “Não pinte esse rosto que eu gosto e é só seu, Marina você já é bonita com o quê Deus lhe deu”.
Ela agora prestava atenção no que estava em volta. No calor amenizado pela brisa. Nos meninos de bicicleta. Mas a paz do momento deu lugar a uma desconfiança leve provocada por esses mesmos meninos. O botão de alerta foi ligado e a sensação de que algo sairia dos eixos, tomou conta.
Ela então decidiu voltar e sentar num banco à sombra. O ângulo da árvore que encobria o banco lembrava uma foto tirada em Ouro Preto. A lembrança trouxe de volta uma certa tranqüilidade.
E os mesmos meninos no mar, nas pedras – tensões cotidianas da cidade grande. Era hora de voltar. Outros compromissos, senão o encontro com ela mesma naquela tarde, a esperavam.
O turbilhão de pensamentos precedidos ao passeio, já não tinham a força de antes. O que havia para ser resolvido certamente ainda estava ali. Um passeio pela orla ao sol da tarde não faz desaparecer incômodos, tão pouco esclarece dúvidas. Mas tem uma capacidade quase mágica de desacelerar a vida por instantes. Existe nesses caros momentos, algo de divino, que comove. Ela sabia bem.
O reencontro com o movimento das coisas teve de ser encarado. Logo, ela também estaria encarando a vida, com a mesma atenção. Era inerente, quase inevitável. Isso era ela.
Mas antes, se apressou para tomar um sorvete.
21/03/08

6 comentários:

Caroline Tavares disse...

Ótima contista... ou cronista?!!

Giselle disse...
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Giselle disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Aline Miranda disse...

A narrativa está tão bem escrita que por um instante esqueci que conhecia a autora.


A praia e as músicas aleatórias na rádio sempre são essenciais para mim.

(e pensamento bobo no final, quase infantil: Será que ela vai smepre falar do sorvete?)

Giselle disse...

Você é linda!!

Paulo Paes disse...

Ora ora, quem diria.
Essa menina sabe escrever, e não é o simples alfabeto, a escrita é completa!
Digna de um Drumond. Ou Clarice seria melhor?
Meus parabéns!